1. O que é reajuste abusivo e quando se aplica
O reajuste abusivo no plano de saúde ocorre quando o aumento não respeita a previsão contratual ou regras regulatórias aplicáveis, carece de transparência técnica (especialmente em planos coletivos) ou produz onerosidade excessiva sem base idônea. Em termos práticos, é abusivo o reajuste que o consumidor não consegue auditar com os documentos mínimos que a operadora deveria fornecer.
1.1 Conceito claro
Planos individuais/familiares: o reajuste anual tem teto definido pela ANS, por período de vigência (maio/ano N a abril/ano N+1). Se o contrato é regulado e a operadora ultrapassa o teto ou aplica índice fora das regras oficiais, há sinal de abuso.
Planos coletivos (empresarial/adesão): não há teto fixo da ANS, mas o aumento deve ser justificado com metodologia e memória de cálculo (sinistralidade/VCMH, premissas atuariais, janela de 12 meses, base de vidas). Sem prova técnica idônea e comunicação clara, o reajuste pode ser invalidado.
1.2 Quando é legítimo × quando é abusivo
Legítimo: existe previsão contratual clara, a cláusula indica mecanismo (anual/VCMH, faixa etária, técnica em coletivos), há comunicação prévia e documentos que demonstram o cálculo.
Abusivo: falta previsão específica ou documentação técnica, há múltiplos reajustes aplicados sem transparência (p. ex., anual + técnica superpostos sem memória), comunicação tardia ou indevida, ou concentração de percentuais desproporcionais sem base.
1.2.1 Urgência/emergência (Lei 9.656/1998 + RN 566/2022 quando houver prazos/garantia)
Reajuste diz respeito a preço, não ao atendimento. Porém, se o aumento desencadeia barreiras de acesso (ex.: suspensão indevida, negativa por “inadimplência” recente sem observar regras e prazos), a Lei nº 9.656/1998 (art. 35-C) garante cobertura em urgência/emergência, e a RN nº 566/2022 define prazos máximos e garantia de atendimento em rede. Problemas de rede (indisponibilidade/inexistência) não podem ser usados como “atalho” para inviabilizar atendimento.
1.2.2 Prescrição médica fundamentada
Reajuste não altera o direito a tratamento prescrito. Aumento de preço não pode servir para limitar terapias clinicamente indicadas; em caso de recusa por “rede” ou “protocolo interno”, valem os prazos de atendimento e a continuidade assistencial conforme RN nº 566/2022.
1.2.3 Falhas de rede e “garantia de atendimento” (ANS)
Indisponibilidade/inexistência de prestador na área de abrangência deve ser tratada como garantia de atendimento (RN nº 566/2022: arts. 4º–6º), inclusive com alternativas (municípios limítrofes/região de saúde) e, quando cabível, transporte (arts. 7º–9º). Se a operadora descumpre, cabe reembolso integral ao beneficiário (art. 10).
1.2.4 Casos frequentes (alta complexidade, TEA, crônicos)
Em linhas gerais, preço não pode ser usado para descontinuar tratamentos em curso, especialmente alta complexidade (oncologia, hemodinâmica, terapias de TEA, etc.). Eventuais divergências de reajuste devem ser resolvidas sem romper a continuidade assistencial.
2. Base legal essencial (objetiva)
2.1 Lei nº 9.656/1998 (Planos de Saúde)
Art. 16, XI: exige critérios de reajuste nas condições gerais do plano.
Art. 12: segmentação e reembolso (definições contratuais importam).
Art. 35-C: urgência/emergência (cobertura obrigatória).
2.2 Código de Defesa do Consumidor (CDC)
Art. 6º, III: direito à informação adequada e clara.
Art. 51, X: nulidade de cláusulas que permitam variação unilateral de preço sem critérios.
Art. 51, §2º: controle de abusividade e equilíbrio contratual.
2.3 Resoluções/Atos oficiais da ANS vigentes (2025)
RN nº 565/2022 (reajustes): disciplina critérios para aplicação de reajuste (individuais e coletivos), comunicação, divulgação e agrupamento de contratos. Para coletivos, reforça documentação técnico-atuarial e transparência.
RN nº 566/2022 (garantia de atendimento): estabelece prazos máximos (art. 3º — consultas básicas 7 dias úteis; demais especialidades 14; procedimentos de alta complexidade e internações eletivas, 21; urgência/emergência, imediato), indisponibilidade/inexistência e reembolso integral por falha de rede (art. 10). Revoga a RN nº 259/2011.
2.4 Garantia de atendimento e continuidade assistencial (RN nº 566/2022)
Indisponibilidade x inexistência: solução com alternativa em rede/região de saúde; quando cabível, transporte.
Descumpriu? Reembolso integral em até 30 dias (art. 10).
Retificação DOU 03/02/2023: ajuste do §5º do art. 3º (itens de alta complexidade referenciam o item XII).
3. Quem tem direito e em quais contratos
3.1 Tipos de plano (impacto no reajuste)
Individual/familiar (regulado): teto ANS anual; fiscalização direta.
Coletivo empresarial: índice livre, mas vinculado ao contrato e à prova técnico-atuarial (sinistralidade, variações de custo, base de vidas).
Coletivo por adesão: regras análogas aos coletivos; exigir memória de cálculo e comunicação clara à estipulante.
Autogestão: particularidades estatutárias; reajuste não se confunde com recomposição de contribuição atrelada à folha (em algumas entidades).
3.2 Situações com proteção reforçada
Idosos (Estatuto da Pessoa Idosa, art. 15, §3º): vedada discriminação por idade; reajustes por faixa etária devem seguir critérios claros e razoáveis.
Usuários em tratamento contínuo/alta complexidade: zelar por continuidade assistencial e prazos de atendimento (RN nº 566/2022), sem interrupções artificialmente causadas por preço.
4. Passo a passo para resolver (administrativo + judicial)
4.1 Administrativo
4.1.1 Solicite negativa e justificativa por escrito
Peça o documento oficial do reajuste com fundamentação: base contratual, metodologia, período de cálculo, séries de sinistralidade e memória atuarial (em coletivos).
4.1.2 Fortaleça relatório técnico (quando cabível)
Em paralelo, mantenha laudos e prescrições atualizados (tratamentos em curso), para coibir “soluções” que prejudiquem acesso sob pretexto financeiro.
4.1.3 Observe prazos (serviço) — RN nº 566/2022, art. 3º
Mesmo discutindo preço, o acesso deve observar os prazos máximos (7/14/21 dias úteis; urgência/emergência, imediato). Problemas de rede seguem arts. 4º–6º (alternativas) e art. 10 (reembolso).
4.1.4 Ouvidoria, estipulante e ANS
Coletivos: acione a estipulante (empresa/administradora) para exigir memória de cálculo.
Individuais: registre solicitação na ouvidoria da operadora e, se necessário, reclamação na ANS.
Todos: mantenha protocolo e cópias.
4.2 Judicial
4.2.1 Tutela de urgência
Cabível quando há risco de dano (ex.: perda de acesso ao tratamento por oneração indevida).
4.2.2 Reembolso e dano moral
Cabe discutir repetição do indébito (valores pagos a maior) e dano moral quando houver violação relevante de direitos da personalidade (humilhação, interrupção de tratamento essencial, etc.). A análise é casuística.
4.2.2.1 Documentos essenciais
Contrato completo + aditivos.
Faturas/boletos + comprovantes
Comunicações de reajuste (circulares, e-mails, cartas).
Memória de cálculo / relatório atuarial (coletivos).
Relatórios/prescrições médicas de tratamentos em curso.
Protocolos de ouvidoria/ANS/estipulante.
Planilha comparativa de índices (aplicado × permitido/contratado).
5. Valores, reembolso e danos morais
5.1 Quando cabe reembolso proporcional × integral
Reajuste indevido (preço): discute-se devolução do que foi pago a maior (a forma — simples ou em dobro — depende do caso, da prova de má-fé e do pedido).
Falha de rede (serviço): RN nº 566/2022, art. 10 prevê reembolso integral do atendimento custeado pelo beneficiário quando a operadora não viabiliza a rede/alternativa e o usuário precisa pagar para ser atendido.
5.2 Critérios para danos morais
Possível quando a conduta da operadora ultrapassa mero aborrecimento (ex.: inviabiliza tratamento essencial, expõe o usuário a risco à saúde, recusa injustificada reiterada).
Depende da prova do dano, nexo e gravidade da conduta.
6. Exemplos práticos e erros comuns
Atenção
Reajustes múltiplos no mesmo ciclo (anual + técnico + migração) sem memória de cálculo costumam mascarar repasses. Exija documentos e identifique sobreposições.
Coletivos não têm teto ANS; sem prova técnica, o índice pode ser afastado — mas isso não significa aplicar automaticamente o teto de individuais.
Exemplo prático
Uma empresa com 28 vidas recebeu 22% de reajuste “por sinistralidade” + 9% “anual” no mesmo ciclo. Ao pedir memória de cálculo, a operadora só entregou uma carta genérica. Com planilha de faturas, a empresa demonstrou aumento composto de 32% sem série histórica. A partir do dossiê, houve redução administrativa do percentual.
Dica rápida
Antes de reclamar, monte o dossiê: contrato, aditivos, faturas (36 meses), comunicações, memória de cálculo e planilha comparativa.
Padronize pedidos por escrito; guarde protocolo.
Se a operadora não entrega documentos, isso fortalece sua tese de falta de transparência.
7. FAQ — Perguntas frequentes
1) O que caracteriza reajuste abusivo no plano de saúde?
Falta de previsão contratual clara, índice incompatível com regras aplicáveis, ausência de memória de cálculo (coletivos) ou sobreposição de aumentos sem transparência.
2) Planos coletivos têm teto de reajuste?
Não. Mas a operadora deve justificar tecnicamente (sinistralidade/VCMH, base de vidas, metodologia), com documentos auditáveis.
3) E nos planos individuais/familiares?
Há teto ANS anual por vigência. Índices superiores ao teto ou aplicados fora das regras podem ser revisados.
4) Posso pedir meu dinheiro de volta?
Quando comprovado pagamento a maior, cabe discutir repetição do indébito. A forma (simples ou em dobro) depende das provas do caso.
5) Como peço a memória de cálculo em coletivo?
Envie requerimento formal à operadora e à estipulante (empresa/administradora), solicitando metodologia, séries de sinistralidade e composição do índice.
6) Reajuste pode interromper meu tratamento?
Não. Problemas de preço não autorizam descontinuidade assistencial. Se houver falha de rede, valem prazos e reembolso integral (RN nº 566/2022, art. 10).
7) Preciso de advogado sempre?
Para casos simples, a via administrativa pode resolver. Em coletivos ou aumentos complexos, a análise técnico-jurídica costuma ser essencial.
8) Quanto tempo leva para resolver?
Varia conforme complexidade e documentação. Montar dossiê completo acelera qualquer via.
8. Próximos passos práticos
8.1 O que fazer hoje
Reúna contrato e aditivos.
Baixe as faturas e comprovantes dos últimos 24–36 meses.
Solicite, por escrito, memória de cálculo e séries de sinistralidade (coletivos).
Monte planilha com comparação do índice aplicado × base contratual/ANS.
Registre ouvidoria; avalie reclamação na ANS (individuais).
8.2 Documentos a organizar
Condições gerais do plano + anexos.
Aditivos de preço/segmentação.
Faturas/boletos + comprovantes (36 meses).
Cartas/circulares de reajuste (com data).
Memória de cálculo / relatório atuarial (coletivos).
Protocolos/prints de ouvidoria/ANS.
Relatórios/prescrições de tratamentos em curso (continuidade assistencial).
Identificação do tipo de contrato (individual/coletivo/adesão/autogestão).
9. Conclusão
Confirmar reajuste abusivo no plano de saúde exige método e prova. Nos individuais/familiares, o teto ANS dá um parâmetro imediato. Nos coletivos, o caminho passa por transparência técnico-atuarial: memória de cálculo, séries de sinistralidade e comunicação adequada.
Ao organizar o dossiê, você acelera a solução em qualquer via — administrativa ou judicial — e protege o que mais importa: acesso contínuo e cobertura adequada, conforme Lei nº 9.656/1998, RN nº 565/2022 (reajustes) e RN nº 566/2022 (garantia de atendimento).


