Justiça manda plano reembolsar paciente que fez cirurgia de urgência fora da rede em Goiânia

“O reembolso por cirurgia urgente fora da rede é devido quando a operadora não garante atendimento no prazo clínico indicado. A RN 566/2022 assegura a garantia de atendimento e o reembolso em caso de descumprimento (Art. 10), normalmente limitado à tabela do plano, desde que a urgência e as tentativas estejam documentadas.”

1. O que é e quando se aplica

1.1 Conceito claro

É o ressarcimento das despesas com cirurgia de urgência realizada fora da rede quando a operadora não garante atendimento no prazo clínico ou nos prazos máximos da RN 566/2022 (Art. 3º). A falha ativa o dever de oferta de alternativa (Arts. 4º–6º) e, se não cumprido, o reembolso (Art. 10).

1.2 Quando é legítimo x quando é abusivo

  • Legítimo (reembolso devido): urgência/emergência incontroversa, janela terapêutica definida no relatório, tentativas documentadas na rede sem agenda viável no município/limítrofes, ou inexistência/indisponibilidade de prestador (Arts. 4º–6º, RN 566/2022).

  • Negativa abusiva: afirmar “há prestador na rede” sem viabilizar a agenda no prazo/local; desconsiderar prazo clínico; sugerir tratamento conservador sem base diante de risco de piora.

1.2.1 Urgência/emergência

Cobertura obrigatória (Lei 9.656/1998, art. 35-C). Prazos da RN 566/2022: urgência/emergência = imediato; consultas básicas 7 dias úteis; demais 14; PAC 21; internação eletiva 21 (Art. 3º).

1.2.2 Prescrição médica fundamentada

Relatório com diagnóstico, risco de agravamento, prazo clínico (ex.: “até 21 dias”) e justificativa técnica. É a prova-chave para demonstrar a necessidade e o tempo.

1.2.3 Falhas de rede e “garantia de atendimento” (ANS)

Se houver indisponibilidade (prestador existe, mas sem agenda no prazo) ou inexistência (não há prestador) no município, a operadora deve ofertar alternativa (mesmo município, limítrofes ou região de saúde) e transporte quando cabível (Arts. 4º–9º). Sem solução, reembolso integral em até 30 dias (Art. 10).

1.2.4 Casos frequentes (oncologia, TEA, alta complexidade)

Oncologia, ortopedia traumática, cardiologia e procedimentos de alta complexidade (PAC) costumam ter janelas terapêuticas rígidas — atrasos geram risco concreto e sustentam o reembolso.

2. Base legal essencial

2.1 Lei nº 9.656/1998

  • Art. 35-C: cobertura obrigatória urgência/emergência.

  • Art. 12: regras contratuais (segmentação; reembolso nos limites do produto).

2.2 Código de Defesa do Consumidor

Boa-fé objetiva, dever de informação e interpretação pro consumidor para cláusulas ambíguas. Aplica-se aos planos (salvo autogestão).

2.3 Resoluções/Atos oficiais da ANS vigentes (2025)

  • RN 566/2022 (garantia de atendimento): prazos (Art. 3º), indisponibilidade/inexistência (Arts. 4º–6º), transporte (Arts. 7º–9º) e reembolso por descumprimento (Art. 10). Revoga a RN 259/2011 e a RN 268/2011; retificação do §5º do Art. 3º no DOU de 03/02/2023 (procedimentos de alta complexidade dos incisos X, XI e XIV seguem o item XII).

2.4 Garantia de atendimento e continuidade assistencial (RN 566/2022)

A operadora deve viabilizar o atendimento dentro dos prazos/locais ou oferecer alternativa adequada. Se o beneficiário paga porque a operadora descumpriu, a norma impõe reembolso integral (Art. 10), observadas as regras de livre escolha/coparticipação do contrato (§§ do Art. 10).

2.5 Jurisprudência (exemplo de aplicação concreta)

23ª Vara Cível de Goiânia/GO — Juiz Cristian Battaglia de Medeiros — Beneficiário x Hapvida Assistência Médica.
Urgência reconhecida (lesão do bíceps distal), inviabilidade prática de atendimento no prazo clínico na rede; determinado reembolso das despesas, limitado à tabela do plano.

3. Quem tem direito e em quais contratos

3.1 Tipos de plano (individual/familiar, coletivo empresarial, coletivo por adesão, autogestão)

A garantia de atendimento (RN 566/2022) e a cobertura de urgência/emergência (Lei 9.656/1998) alcançam, em regra, todas as segmentações, resguardadas as particularidades contratuais.

3.2 Situações com cobertura reforçada

  • Urgência/emergência com risco de agravamento.

  • Tratamentos em curso (ex.: oncologia; continuidade assistencial).

  • PAC com janela terapêutica curta.

4. Passo a passo para resolver (administrativo + judicial)

4.1 Administrativo

4.1.1 Solicite negativa por escrito

Peça documento formal com motivo, data, prazos e protocolos. Sem negativa formal, a operadora alega que “não negou cobertura”.

4.1.2 Fortaleça relatório médico

Inclua diagnóstico, janela terapêutica (ex.: “cirurgia em até 21 dias”), risco e justificativa técnica.

4.1.3 Observe prazos da ANS (RN 566/2022, Art. 3º)

Compare o prazo clínico com os prazos máximos. Se estourar, registre ouvidoria e ANS.

4.1.4 Ouvidoria e ANS (Arts. 4º–6º; Art. 10 se descumprimento)

Exija alternativa (mesmo município/limítrofes/região de saúde). Sem solução no tempo, documente e prepare o pedido de reembolso.


5. Valores, reembolso e danos morais

5.1 Quando cabe reembolso proporcional vs. integral

  • Integral (Art. 10, RN 566/2022): quando a operadora descumpre a garantia de atendimento (prazos/alternativa/transporte) e o beneficiário paga para não agravar o quadro.

  • Limitado à tabela: regra comum em produtos sem livre escolha; os valores seguem a tabela do plano.

5.2 Critérios para danos morais

  • Risco de lesão grave e piora do quadro por atraso.

  • Interrupção de tratamento essencial.

  • Angústia e impacto real na dignidade do beneficiário.

6. Exemplos práticos e erros comuns

Atenção

Sem negativa por escrito e protocolos, a operadora alegará que “não negou”. Formalize tudo: ligações, e-mails, tentativas de agenda e prazos do Art. 3º (RN 566/2022).

Exemplo prático

Cirurgia de bíceps distal indicada em até 21 dias. O médico sai da rede, outro propõe tratamento conservador enquanto a dor piora. Rede não viabiliza no prazo/local. Paciente opera fora da rede e obtém reembolso (caso de Goiânia/Hapvida).

Dica rápida

  • Colha relatório com janela terapêutica.

  • Exija oferta de alternativa por escrito (Arts. 4º–6º).

  • Se pagar, guarde NF/recibos e protocole reembolso (Art. 10).

Tabela — Critérios e ação 

Rótulo Conteúdo
Situação Cirurgia urgente sem agenda viável na rede (município/limítrofes)
Direito aplicável Garantia de atendimento + reembolso por descumprimento
Base legal (ex.) RN 566/2022: Arts. 3º, 4º–6º e 10; Lei 9.656/1998 (art. 35-C)
Ação imediata Negativa formal, ouvidoria/ANS, operar se risco, pedir reembolso

Tabela — Critérios e ação 

Checklist — Documentos para o administrativo

  • Relatório/prescrição com prazo clínico e risco.

  • Tentativas de agenda (datas, horários, protocolos).

  • Negativa formal (ou prova da recusa de emitir).

  • Ouvidoria e ANS (nºs de protocolo).

  • NF/recibos do hospital/equipe.

Checklist — Itens mínimos para a ação

  • Linha do tempo dos fatos (cronologia).

  • Laudos/exames + relatório com janela terapêutica.

  • Provas de indisponibilidade/inexistência (Arts. 4º–6º).

  • Pedidos: tutela, reembolso (integral/tabela), eventual dano moral.

  • Custas/provas de hipossuficiência (se cabível).

7. FAQ — Perguntas frequentes

1) Sem a negativa por escrito eu perco o direito?
Não. Mas a prova fica mais difícil. Provoque formalmente a operadora e registre protocolo; se recusarem a emitir, guarde a evidência (e-mail, número de atendimento, etc.).

2) O reembolso é sempre integral?
Quando há descumprimento da garantia de atendimento (RN 566/2022), o Art. 10 prevê reembolso integral; em contratos sem livre escolha, é comum a limitação à tabela.

3) A operadora disse que havia médico na rede. Basta?
Não. É preciso viabilizar a agenda no prazo/local. Sem isso, deve oferecer alternativa (mesmo município/limítrofes/região de saúde) ou arcar com reembolso.

4) Preciso operar fora da rede antes de acionar a Justiça?
Em risco ou urgência, a decisão clínica pode exigir intervenção imediata. Documente tudo e busque tutela de urgência se necessário.

5) O que devo anexar ao pedido de reembolso?
Relatório com prazo clínico, negativas/protocolos, provas de tentativa, NF/recibos e protocolos de ouvidoria/ANS.

6) O caso de Goiânia vale como precedente obrigatório?
Não é vinculante, mas reflete entendimento recorrente: rede que não atende no prazo clínicoreembolso (geralmente limitado à tabela).

8. Próximos passos práticos

8.1 O que fazer hoje (mini-lista objetiva)

  • Solicite negativa por escrito e protocolos.

  • Atualize o relatório com janela terapêutica.

  • Tente agenda na rede; se falhar, ouvidoria e ANS.

  • Guarde todas as provas (especialmente se pagar).

8.2 Documentos a organizar (checklist)

  • Carteirinha/contrato; comprovantes de pagamento.

  • Relatório (diagnóstico, risco, prazo).

  • Negativas, e-mails, protocolos.

  • NF/recibos do hospital/equipe.

  • Prints/comprovantes de ouvidoria/ANS.

9. Conclusão

Quando a operadora não garante atendimento no prazo clinicamente indicado ou nos prazos máximos da RN 566/2022, especialmente em urgência/emergência, o beneficiário pode realizar a cirurgia fora da rede e requerer reembolso — em muitos casos limitado à tabela. O exemplo de Goiânia/Hapvida evidencia a lógica aplicada pelos tribunais: janela terapêutica + falha de rede = ressarcimento, desde que a prova documental (relatório, negativas, protocolos e recibos) esteja sólida e coerente com a urgência do quadro.

 
 

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